📝 por José Ricardo de Souza*
⏳ Historiador, professor da rede pública estadual de ensino, escritor, membro da Academia de Letras e Artes da Cidade do Paulista-PE ⌛
No início do século XX, o então distrito de Paulista se resumia a alguns dispersos núcleos de povoação, cuja população dedicava-se predominantemente a atividades agrícolas de subsistência. A iniciativa industrializadora dos Lundgrens mudou os ares desta cidade. Houve, a princípio, um processo de apropriação das terras, colaborando assim para a transformação do pequeno lavrador, agora destituído de sua terra, num operário fabril. Como o poder econômico acompanha as trilhas do poder político, não demorou muito para que os Lundgrens monopolizassem o poder político local, o que não foi difícil, pois se vivia o período do coronelismo (República velha).
E assim, várias fábricas foram construídas. O acesso à cidade foi melhorado (havia até estrada de ferro!) e uma suntuosa igreja edificada próxima à residência senhorial dos Lundgrens (o poder religioso atrelado ao poder político). A Companhia de Tecidos Paulista chegou a construir pequenas "vilas", a fim de oferecer habitações a seus funcionários. Verifica-se que houve um duplo interesse: o de industrializar a cidade e simultaneamente aumentar sua população. Isso corresponde às necessidades do capitalismo Industrial, pois quanto maior o número de trabalhadores, menor será o valor de sua força de trabalho, diminuindo o seu salário.
Os anos foram passando e Paulista encarnou o estereótipo de cidade industrial, polo de vanguarda do estado pernambucano. Um raio não cai duas vezes num mesmo lugar, é o que nos ensina a sabedoria popular, mas em Paulista foi o que realmente aconteceu. Os anos 70 do século XX foram marcados pela euforia do milagre econômico forjado pelos governos militares. O Brasil crescia economicamente às custas do capital estrangeiro e da repressão aos movimentos populares.
As elites dominantes paulistenses foram contagiadas pela "febre do desenvolvimento" e conceberam em seus gabinetes um plano audacioso: implantar as mais variadas indústrias às margens da BR-101 Norte, no trecho que passa próximo à cidade. Objetivo: transformar Paulista no mais arrojado polo industrial do Estado. O financiamento seria do governo federal resguardado por grandes empresas multinacionais.
Como a população paulistense era insuficiente para fornecer mão-de-obra farta e barata para as indústrias a serem implantadas, não restou outra saída a não ser estimular o povoamento. Nessa época existia o Banco Nacional de Habitação (BNH), encarregado de construir casas populares em todo o país. Em Pernambuco, essa tarefa ficou a cargo da extinta COHAB (Companhia de Habitação Popular do Estado de Pernambuco), que financiada com recursos do BNH investiu na construção de parques habitacionais, principalmente em Paulista. Isso foi facilitado por vários motivos. Como a maioria das terras pertencia aos Lundgrens, não foi difícil estabelecer as negociações. É até possível que parte das dívidas dos fundadores de Paulista tenha sido saldada em terras para o Estado promover a construção dos parques habitacionais. Aproximadamente, 60% deles foram construídos em Paulista: isso resultou num profundo crescimento populacional que praticamente "inchou" a cidade com vilas sem o mínimo de condições habitáveis.
Quem mora nesses bairros populares convive diariamente com a carência de: água, escolas, postos de saúde, transportes, segurança, e outras dificuldades semelhantes. A maioria das pessoas que foram morar nas COHABs eram do meio rural e emigraram para os centros urbanos. Integradas à moribunda camada média urbana, a maioria delas encontrou uma ocupação nas atividades terciárias do Recife (comércio e prestação de serviços). O que os mentores da industrialização paulistense não contaram nos seus planos era justamente o outro lado do milagre econômico, falso e demasiadamente distante da realidade social. A maioria da população continua a trabalhar no Recife e nas demais cidades da região metropolitana, servindo-se de uma precária rede de transporte, pressionada a utilizar coletivos lotados e cuja demora no deslocamento é absurda. A rede de saúde agoniza na UTI do descaso das autoridades (in)competentes. Foi esta a Paulista que nos legaram: "inchada", doente e analfabeta. Todavia, não será essa a Paulista que construiremos...
E assim cresceu Paulista. Maranguape, Arthur Lundgren, Jardim Paulista, são alguns filhos desse processo. Nesses bairros continua a luta por melhores condições de vida. Enfrentando as dificuldades de trabalhar e estudar em outros centros urbanos, o povo paulistense que aumentou quantitativamente, passo a passo, também precisa crescer qualitativamente, na busca de um futuro melhor.